INDIVÍDUO E PADRÃO ESTÉTICO

INDIVÍDUO E PADRÃO ESTÉTICO

Ednei de Genaro

Mestrando pela UFSC (2008)

“Se você compra o que é supérfluo, logo venderá o que é necessário”.

Benjamin Franklin.

Na sociedade contemporânea, as estereotipações dos indivíduos por meio de imagens do corpo são cada vez mais difundidas. Tem-se um novo padrão de consumo: o estético. Os meios de comunicação social nos enchem de propagandas, dia a dia, tentando convencer as pessoas a adotar um ‘estilo de vida’ consumista e hedonista, que não condiz – ao contrário, é contraditório – com uma reflexão sobre a vida saudável.

Como escreve o filósofo francês Bernard Stiegler, ao contrário do que pensamos, não vivemos em um mundo dominado pelo ‘individualismo’. Na verdade, muito além do sentido político-econômico que a noção de individualidade expressa, enfrentamos um problema mais profundo: a perda generalizada da individualidade. No atual capitalismo hiperindustrial, diz ele, estamos submetidos a uma volição consumista desenfreada, que vai contra a construção de nossas capacidades intelectuais, afetivas e estéticas. Somos tomados por desejos e consciências asfixiadas, controladas por atividades industriais que criam tecnologias para a apropriação, o controle e a homogeneização de nossos comportamentos psíquicos e coletivos.

Os cidadãos – ou, na linguagem da eficiência econômica, ‘os consumidores’ – que buscam ‘preencher’ suas vidas com os padrões estéticos propagados, deveriam se perguntar: para que tipo de ‘divinização estética’ estou sonhando (ou exercitando) desesperadamente, tornando isso algo apenas fetichista e fugaz, tanto para o corpo quanto para a alma?

Ocorre que o padrão de beleza na modernidade, dizem os especialistas, está mais próximo da acedia, isto é, “da retração da alma diante do objeto de desejo”. Daí a perda da individualidade, pela condenação psíquica e coletiva aos apegos materiais, e a falência espiritual e idiotia diante de desejos desmedidos e submissos. “Bronzeamento artificial, depilação, lipo, Botox, dieta, plástica, moda…”, para citar as tecnologias estéticas mais propagadas, substituem um verdadeiro exercício contínuo de cuidar e gostar de si. O resultado disso: tornamo-nos medíocres quanto à vida em equilíbrio, quanto à felicidade não pueril e à postura nobre diante do envelhecimento e da finitude da vida.

A estilização condicionada dos modos de vida – produzida pelas atividades industriais e difundida pelo marketing via mídia – é, sem dúvida, formadora de nossa miséria simbólica, como argumenta Stiegler. Desde o início do século XX, os progressos tecnológicos propiciaram uma vida manipulada pelas indústrias culturais. O resultado disso foi a frustração dos indivíduos em refletir e criar suas próprias existências na modernidade.

Nietzsche previu acertadamente: era necessário “tornar-se aquilo que és”. Porém, a civilização rebanhosa, da massa incapaz e submissa, apenas se intensificou. Somos incapazes de um narcisismo que não seja mero sinônimo de egoísmo – que não se torne uma expressão negativa e patológica de uma falsa individualidade.

Por séculos, a vida ativa e os desejos carnais foram condenados pela moralidade do mundo cristão. O poder da Igreja sobre o corpo não foi à toa, uma vez que era vital para a instituição criar o controle populacional, organizar politicamente a família e valorizar a vida espiritual.

O ‘desencantamento’ do mundo e sua profanação tiveram consequências. Como uma criança que cai na libertinagem, o homem moderno absorveu sua laicização pública e liberdade burguesa como um grande ‘festim’, regado à introdução contínua e desenfreada de volições e, ao mesmo tempo, de novos controles sobre os modos de vida e fruição destes. Diante desse eterno festejo, criamos mil extravagâncias e puerilidades, mostrando-nos péssimos aprendizes das tragédias e mitos gregos.

Como Foucault nos provocou, não damos mais sentido racional e saudável às técnicas do cuidar de si. De tal modo, não sobraram dúvidas: nossa beleza corporal e saúde não são sinônimos de vida e de bem-estar harmonizados com os deuses.

Se, desde os gregos, o significado da vida boa aristotélica é dado pela medida do equilíbrio, no homem moderno não há nada mais distante disso. Nossa sociedade de consumo vive da abundância e da fruição desmedida do corpo, onde mesmo a medicina – símbolo da vida harmoniosa – torna-se progressivamente um mercado para a satisfação do padrão de consumo estético.

Antes de tudo, os indivíduos devem poder pensar nas restrições que qualquer cultura impõe sobre eles. Ou, em outras palavras, refletir sobre os ‘comandos’ que reproduzimos cotidianamente. Em toda cultura, pensava Foucault, há sempre um círculo de restrições. O fundamental seria entender se existe realmente liberdade para os indivíduos transformarem os “códigos da cultura”.

Nossa sociedade exige que, a todo momento, deveríamos ‘agradar aos outros’. “Todos devem ser delgados, anoréxicos…”: é o que, por exemplo, se diz sobre os corpos. Ao mesmo tempo em que se vendem em larga escala fast-foods e modos de vida sedentários, necessitamos, sem dúvida, compartilhar e conviver para obter aceitação do outro – mas não simplesmente porque vivemos sob imposições de condutas e mediocrização do caráter.

Hoje, nosso problema é encontrar, assim como os antigos gregos, uma estética positiva do cuidar da alma e do corpo. E convém lembrar algo que se esquece com frequência: o corpo é, sem dúvida, belo ou feio, cheio de marcas ou jovial, produtivo ou improdutivo. Isso é resultado da condição humana no mundo.

No entanto, o que está em jogo entre nós, modernos, é se os indivíduos buscam conhecer o belo e o bom para si mesmos, ou se dão por satisfeitos com tudo o que lhes dizem ser. A perda generalizada da individualidade, de que nos fala Stiegler, significa, por exemplo, a perda da autonomia dos indivíduos em discernir seus vícios e imperfeições.

A consequência é que, muitas vezes, deveríamos refletir sobre quais agrados não são realmente mundanos: afinal, qual é a finalidade desse padrão de consumo estético? Às vezes, não agradar ao mundano é a coragem mais difícil que as pessoas devem ter.