Ato de conhecer e professar na inspiração nietzschiana.

O ATO DE CONHECER E PROFESSAR NA INSPIRAÇÃO NIETZSCHIANA

Ednei de Genaro

Mestrando pela UFSC (2008)

Reflete-se aqui sobre o significado que valida o ato de professar e sua relação com o ato de conhecer, bem como sobre a importância de repensar o papel tradicional exercido pelos mestres. O texto a seguir atende a essa vontade de reflexão, inspirado nos “escritos pedagógicos” de Nietzsche.

Certamente, o caminho de pensamento mais evidente para abordar esses temas parte da ideia de que os indivíduos têm certo dever moral de educar, assim como é um direito público que existam profissionais na sociedade que transmitam virtudes, inteligências e costumes encontrados em livros, disciplinas e demais conteúdos consagrados no quadro chamado de “humanidades”.

Seja para pensar essas humanidades de forma crítica ou não, educamos crianças e adolescentes confiantes na positividade desse caminho de pensamento. No entanto, ao aprofundarmos a reflexão sobre o ato do mestre em professar, buscamos compreender a finalidade última dessa ação – isto é, a possibilidade de interagir com alguém sobre algo, de modo que essa interação tenha valor positivo tanto para quem ensina quanto para quem aprende.

O ato de professar, por si só, não se valida. Deve haver um sentido que o defina, algo que o torne autêntico para ambos os lados da relação – mestre e aluno.

Ao consultar a palavra “ensinar” no dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição: 1. Instruir sobre; 2. Transmitir conhecimento a; 3. Dar aulas. Quanto à palavra “professar”, lemos: 1. Reconhecer ou confessar publicamente; 2. Pôr em prática.

Ensinar equivale aos verbos instruir ou transmitir conhecimentos, termos que validam sentidos distantes da ideia de relação mútua e positiva que gostaríamos de observar nesse ato. Professar, porém, revela-se mais adequado, remetendo aos conceitos de reconhecer e confessar publicamente, conferindo valor prático à relação mestre-aluno, e não isoladamente. Assim, permanecemos partidários da palavra “professar” em vez de “ensinar”.

O ato de professar deve, certamente, envolver “instruir” e “transmitir” conhecimentos, mas não se limita a isso. É fundamental considerar a atitude humana do reconhecimento, ou seja, o sentido do “eu” em relação à possível ética em sala de aula.

Sem nos alongar na exposição dos termos, devemos concentrar nossa atenção na ideia de “possibilidade de interagir com alguém sobre algo e o valor positivo disso”.

O ato de professar pressupõe a capacidade dos seres humanos de conhecer. De igual modo, o sentido do ato de conhecer está diretamente ligado à nossa concepção de professar. Toda pedagogia que se preze baseia-se em uma determinada concepção do ato de conhecer.

Não é por acaso que Tomás de Aquino se perguntou: “Pode o homem ensinar o homem?”. Essa questão talvez seja a mais severa no que se refere à possibilidade de pensar filosoficamente o ato de professar – e nos leva a refletir sobre como nossas práticas em sala de aula, conscientes ou não, revelam os sentidos das ideias de professar e conhecer que internalizamos como mestres. Seguiremos, aqui, uma inspiração nietzschiana para dar sentido a essas ideias.

Sobre o ato de conhecer

“A verdade não se ensina; se vive.”
Herman Hesse

Ainda não compreendemos plenamente o alcance de uma frase como essa. No entanto, podemos afirmar que, nos séculos XIX e XX, há uma tradição filosófica significativa que considera o ato de conhecer como fundante na e pela “experiência de vida”. Afinal, qual é o caminho para conhecer as coisas e a si mesmo? Ou, dentro do tema aqui abordado: qual o benefício aos alunos do que é ensinado pelo professor?

Para os alunos, o ensino sem experiência, sem convivência prática com ideias, conceitos e práticas, é árido, inválido, “sem vida”.

Sem reivindicar autonomia terminológica ou rigor explicativo absoluto, podemos ampliar nossa consciência como professores ao considerarmos que, quando o mestre age como tal, ele deve buscar ensinar participando – mesmo que criticamente – da realidade viva e próxima de seus alunos.

O conhecimento transmitido pelo professor nunca ocorre de forma puramente objetiva. Tudo que é dito ou escrito não pode ser considerado “ensinado” apenas pelo acontecimento da aula. Conhecer e professar estão próximos, mas não são sinônimos: o primeiro refere-se ao sujeito; o segundo, à relação entre sujeitos.

Essa compreensão valoriza não apenas o conteúdo, mas a riqueza da inter-relação, do reconhecimento e da possibilidade pedagógica de vivenciar as dimensões de liberdade, criação e expressão dos alunos em sala de aula.

“A verdade não se ensina; se vive.”

Para nós, essa frase é particularmente significativa – um ensinamento frequentemente esquecido hoje. A “senhora verdade” (única e singular) não deve ser imposta como máquina avassaladora que destrói a busca por harmonia na relação mestre-aluno, ativando interesses mútuos.

Nietzsche argumentava que o ensino poderia liberar a criatividade onde ela já existisse, mas nunca criar criadores como se houvesse uma fórmula secreta para a pedagogia alcançar a perfeição.

O ponto desconcertante dessas reflexões reside na dimensão atual dos problemas educacionais, em que apostilas, livros e roteiros são seguidos quase que mecanicamente, e a escola corre o risco de se tornar o templo da decadência da cultura ocidental.

Sobre o ato de professar

“Usur magister est optimus”
[“A experiência é a que melhor professa”]
Cícero

Assim como a frase de Hesse, a de Cícero é provocativa. Se encararmos o professar como mero cumprimento de normas de formação educacional, a pedagogia torna-se excessivamente prescritiva, normativa e distante da forma viva e criativa anteriormente discutida.

No ato de professar, não se pode esquecer que o ensino é uma relação social, na qual mestre e aluno possuem poderes, domínios e condições humanas diferentes. Uma proposta pedagógica autêntica baseia-se nessa relação, buscando conferir valor positivo à ação do professor.

O mestre deve compreender que aquilo que o aluno é e pode se tornar resulta das experiências e transformações na construção de sua personalidade. A tarefa do mestre vai além de métodos e objetivos que não visam provocar, primeiro, desejo, tensão ou experiência viva acerca do conteúdo abordado. Assim, o professor não precisa se apropriar de uma verdade absoluta e transmiti-la rigidamente, colonizando a sala de aula.

Professar não se reduz à produção ou uso de tecnologias; tampouco à avaliação do grupo escolar pelo “grau de eficiência e evolução”. O objetivo maior é ajudar crianças e adolescentes a ler e interpretar o mundo, valorizando não apenas sua formação, mas sua capacidade de interpretação, desenvolvimento de paixões e liberdade.

Há grande diferença entre a rigidez mecânica, na qual explicações enquadram o saber sobre o aluno, e a flexibilidade que provoca reflexão e não impõe um objetivo forçado. Tradicionalmente, o mestre permanece preso à sua própria autoridade e vaidade, limitando-se à polidez e firmeza na exposição de métodos explicativos. Essa estagnação empobrece a vida e a experiência em sala de aula.

Percebe-se, portanto, a importância da provocação nietzschiana, da preparação ativa de diálogos e da busca por sentido positivo na aula. A mecanização das atitudes e conteúdos de ensino é sempre prejudicial, e a percepção desse problema é, por si só, alarmante.

Mas então surge a pergunta: como conduzir as aulas de modo que se concretize o ato de professar? Como pensar uma sala de aula que não se limite ao espaço material – edifícios, mobiliário, roupas, linguagem ou conteúdos –, mas que vá além do mestre tradicional que simplesmente ocupa o espaço e limita o aluno? A alternativa parece ser desenvolver métodos e formas de inteligências que extrapolem a desgastante fórmula “explicativa”. A questão permanece: como?