REDES SOCIAIS E CONSTRUÇÕES ALGORÍTMICAS

REDES SOCIAIS E CONSTRUÇÕES ALGORÍTMICAS

redes sociais_algoritmo

O senso comum tende a pensar que os dispositivos virtuais ou plataformas são apenas bases neutras, puros “receptáculos” que permitem às pessoas usar e depositar seus conteúdos nas redes como quiserem. Deve-se destacar que essa visão decorre de uma percepção estreita e ingênua, herdada da noção de progresso no pensamento moderno. No século XX, pensadores como Heidegger e Simondon contribuíram para questionar essa ideia de maneira profunda.

Na realidade, as ferramentas, técnicas, máquinas e materialidades do mundo também agenciam processos que constituem nossas formas de vida psíquica e coletiva. Como demonstrou Simondon, as técnicas possuem valor de individuação. De forma sintética, impõe-se reconhecer que o valor do mundo não é antropocêntrico e não se constitui apenas como resultado da “ação humana”. Nesse sentido, no contemporâneo, pensadores sociais diversos, como Bruno Latour e Bernard Stiegler, coincidem em apontar a importância da noção de composição e no estudo das redes sócio-técnicas (humanas e não-humanas), bem como das individuações psíquicas, coletivas e técnicas.

Assim, as sociabilidades se colocam como uma questão organológica, na qual diversos agentes do mundo estão implicados. O mundo virtual – composto de interfaces, mediações, softwares, apps, tipos de conexão, fóruns, domínios, protocolos, spam, anúncios etc. – é constituído por diferentes formas de produção, uso, distribuição e controle de dados, que, substancialmente, contribuem para moldar “aquilo que somos” e “aquilo que podemos vir a ser”. Os modos de ver, saber e agir das pessoas estão intimamente relacionados aos arranjos, agenciamentos e modelos informáticos.

A singularidade do novo mundo criado pela internet deve-se, em grande parte, aos efeitos dos conjuntos lógicos computacionais, que prescrevem e interligam determinadas regras, ordenações e atividades – ou seja, possuem inevitavelmente uma base lógica algorítmica. O algoritmo organiza os fluxos de movimentação e transformação dos dados que produzimos cotidianamente na internet. Ele possibilita a discretização temporal, a estruturação formal espaço-temporal e sua atuação performativa, deixando “rastros”.

As composições de sentimentos, valores e ações em construções algorítmicas podem, hoje, indicar características tanto positivas quanto negativas no que diz respeito aos ambientes políticos democráticos. Como demonstrou A. Galloway, a descentralização por si só não é sinônimo imediato de “libertação” dos indivíduos das estruturas hierárquicas, nem de subjetivações menos egoístas. O controle dos protocolos por governos e corporações gera novas investidas cerceadoras e exploratórias sobre os indivíduos. “Considera-se o software social como liberador, democratizador etc. Isto é inegável. Porém, mais importante é o fato de que hoje estamos iniciando um novo sistema de extração e exploração de valor informático. A web é, em essência, a maior fábrica de exploração do mundo. O fenômeno abrange todo o espectro das tecnologias da web, mas também o terreno biológico, uma vez que passou a ocupar o centro de valoração e exploração. Nesse sentido, empresas como Google e Monsanto caminham lado a lado, já que ambas utilizam espaços informáticos (internet, genoma) para extrair novas formas de valor não compensado. Ambas influenciam a capacidade da vida de se valorizar por si mesma. Quem conhece a época moderna perceberá que esse processo ocorre há muito tempo. A pergunta principal não é se isso está acontecendo ou como, mas sim qual o estado moral do tema” (Galloway – http://publicaciones.zemos98.org/spip.php?article626).

As conjunturas e grupos de interesse são fundamentais para pensar os tipos de virtualidades criadas. É preciso distinguir entre a “política na internet” e a “política da internet”, como observa Sérgio Silveira. Essa distinção fica evidente, por exemplo, ao analisarmos as infraestruturas e os formatos de funcionamento da internet: os protocolos TCP/IP – conjunto de regras fundamentais para conectar uma máquina ou rede à internet – permitem, por um lado, comunicação distribuída, mas operam, por outro, com o sistema de nomes de domínio (DNS), cujo funcionamento é extremamente hierárquico (ver artigo “As novas dimensões da política: protocolos e códigos na esfera pública interconectada”).

A eliminação do anonimato, justificada por discursos de combate ao terrorismo e aos crimes virtuais, foi uma medida implementada por agentes políticos centralizadores. A partir disso, esses agentes exploraram o outro lado da moeda: a dissecação completa das identidades e a coleta e tratamento das informações circulantes na mídia. Nessas circunstâncias – e retomando o vocabulário deleuziano –, os “espaços rizomáticos”, mesmo nas redes sociais, podem ser transformados, de alguma forma, em “espécies arbóreas”.

A possibilidade de determinações predicativas do otium e negotium da vida gera discussões importantes. De maneira inédita, as infraestruturas e formatos digitais se aperfeiçoam incessantemente, seguindo as necessidades de corporações ou estratégias geopolíticas dos Estados mais ricos. Estes buscam atuar nos modos de ver, saber e agir das pessoas. No campo corporativo, um exemplo é o algoritmo PageRank do Google. Com a justificativa de organizar o “caos” na internet, a empresa implementou uma ferramenta que decide antecipadamente para o usuário o que é “bom” ou “ruim”, o que pode “ver” ou não. Com base na análise das navegações anteriores (depósitos de links, citações, número de visitas), os endereços são ranqueados de forma que a máquina filtre o que considera “interessante”. Esse processo reduz a aleatoriedade e o julgamento próprio do usuário, além de abrir espaço para possíveis abusos e censuras. O surgimento dos filtros garante a efetividade das estratégias de marketing do “Search Engine Optimization”, com ferramentas que ajudam os navegadores a otimizar resultados.

Há, enfim, uma engenharia social de cunho algorítmico transformando a vida das pessoas em redes sociais. Discutir isso é sair da ingenuidade de imaginar que os indivíduos estariam “livres” para criar suas subjetividades e coletividades na internet. As transformações desse processo são evidentes. Basta acompanhar notícias recentes para comprovar: um site que permite continuar twittando após a morte (http://liveson.org/); a introdução de algoritmos que alteram teorias sobre a origem da vida (http://www.wired.com/wiredscience/2013/06/algorithms-revise-tree-of-lif/?cid=8643414); e um misterioso programa que estaria mudando as “regras do jogo” na máfia financeira (http://www.cnbc.com/id/4933345).